Transparência fortalece a pesca
Brasil precisa de uma agenda de alto nível para a pesca que a coloque em um patamar político equiparável aos outros setores
Ademilson Zamboni - 02 de agosto de 2019
Um dos maiores desafios para a sustentabilidade da pesca no Brasil é superar a falta de informações para melhorar sua gestão. A prática de mostrar à sociedade quanto e o que é pescado, onde e como as capturas ocorrem ainda é um universo a ser desvendado. No caso brasileiro, esse tipo de abordagem é, hoje, praticamente inexistente.
Já completamos uma década sem produzir estatísticas sobre a atividade pesqueira. Desde 2009, quando o País deixou de coletar sistematicamente dados de pesca, as informações sobre a cadeia produtiva se restringem a levantamentos pontuais, a maioria deles voltado para a aquicultura. O último Boletim Estatístico publicado pelo governo trouxe dados até 2011, mas já com sérias lacunas e fazendo uso de suposições e imputações.
Esse cenário é impensável em outros setores. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por exemplo, é responsável por realizar o levantamento e organizar dados como produção, produtividade e área de diversas culturas. Uma delas é a soja, líder nas exportações do agronegócio (e do uso de pesticidas, infelizmente). A instituição mantém atualizados e abertos ao público relatórios mensais e anuais sobre a safra do grão que contabilizou, somente em maio de 2019, 10,8 milhões de toneladas em exportações.
Com um Produto Interno Bruto (PIB) total de R$ 80 bilhões, juntas, as cadeias produtivas avícolas e suinícolas geram 1,75 milhão de empregos diretos, totalizando 4,15 milhões de postos de trabalho. Somadas, as exportações de aves, ovos e suínos totalizaram US$ 8,5 bilhões em 2018, valor que representa quase 10% das exportações do agronegócio brasileiro.
Se podemos mencionar essas informações é porque elas são monitoradas, organizadas periodicamente e disponibilizadas a qualquer pessoa que queira acessá-las. São setores fortes que estão no mesmo “guarda-chuva” ministerial da pesca, o Mapa. Claro que esses setores lidam com commodities de outra escala, mas nenhum deles parece ter receio de abrir seus dados e assim tornarem-se vulneráveis – ao contrário, tudo mostra que estão cada vez mais fortes.
Uma cadeia produtiva estruturada e monitorada gera desenvolvimento para o setor. O que poderá fazer ainda mais diferença para a pesca especialmente a partir do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, anunciado no dia 28 de junho (que será melhor detalhado nos próximos anos). O pacto, recebido com entusiasmo no Brasil após duas décadas de negociações, prevê que peixes e crustáceos brasileiros terão tarifa zero para importação.
Sabemos o quanto a Europa é criteriosa com a segurança em suas importações de alimento. Retorno ao início deste artigo, reafirmando que mostrar para a sociedade o que é pescado, onde e como ocorrem essas capturas ainda é um mistério. Esse cenário precisa mudar para avançarmos rumo a uma pescaria apoiada nas melhores práticas, monitorada e segura, respeitando o melhor conhecimento sobre o meio ambiente e a biologia das espécies. O Brasil precisa de uma agenda de alto nível para a pesca que a coloque em um patamar político equiparável aos outros setores.
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Sobre Ademilson Zamboni
- Diretor-geral da Oceana Brasil. Oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo.