Tensão econômica EUA: Inflação, crédito e moderação no estilo de vida
Este é o segundo texto de uma série de artigos que analisam os desdobramentos da atual tensão econômica nos EUA
Abraão Oliveira - 04 de agosto de 2025
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Nos últimos meses, a inflação nos Estados Unidos deixou de afetar com força os bens duráveis — como carros, eletrônicos e móveis — e passou a se concentrar nos serviços essenciais, como alimentação fora do lar, aluguel, transporte urbano e saúde. Embora os índices agregados indiquem desaceleração, o impacto no cotidiano das famílias permanece significativo.
Essa inflação mais silenciosa atinge principalmente a classe média urbana, que tem pouca margem para adiar gastos com serviços básicos. O resultado é uma sensação de perda de poder de compra, difícil de capturar nas estatísticas formais, mas visível no comportamento mais contido dos consumidores.
A permanência dos juros elevados nos Estados Unidos, em resposta ao ciclo inflacionário recente, tornou o financiamento ao consumidor mais caro e arriscado. Compras de maior valor passaram a ser postergadas ou evitadas.
Além da seletividade dos bancos, agora é o próprio consumidor que hesita em contrair dívidas. O receio diante do cenário político e econômico atual alimenta um comportamento de autocontenção gradual, sem sinais agudos de inadimplência, mas com ajustes silenciosos nas decisões de gasto.
O somatório dessas pressões está moldando um novo padrão de consumo: mais seletivo, menos impulsivo, guiado pela prudência. Trata-se menos de um ajuste orçamentário e mais de um estado psicológico coletivo, marcado pela percepção de incerteza — como indicam os índices de confiança divulgados pela Conference Board.
A economia americana, neste momento, ainda não desacelerou bruscamente — porém já mudou de marcha. O consumo não desapareceu, mas passou a operar sob o sinal amarelo: o impulso cede espaço à cautela, e o presente se torna mais importante do que o futuro.
A moderação, antes uma escolha, torna-se uma resposta adaptativa a um ambiente onde inflação, crédito caro e incerteza política se entrelaçam. Não é uma crise — mas é um ajuste em curso, e ele está em andamento agora.
DÉFICIT COMERCIAL, TARIFAS E ENDIVIDAMENTO EXTERNO: A CONTA DO CONSUMO AMERICANO
O modelo de crescimento dos Estados Unidos nas últimas décadas se apoiou em uma fórmula relativamente estável: consumo interno forte, importações amplas e financiamento externo contínuo. Essa lógica permitiu aos americanos consumir mais do que produziam, financiando parte de sua prosperidade com o endividamento externo, graças à confiança global no dólar e na solidez dos ativos americanos.
Em 2025, essa equação começa a ser questionada com mais intensidade — não apenas por economistas, mas pelo próprio governo dos EUA, que tem adotado medidas de confronto comercial com o objetivo de reduzir o déficit na balança de bens, proteger a indústria doméstica e enfrentar o que considera uma “ameaça estratégica” ao seu protagonismo global.
Segundo dados do U.S. Census Bureau, o déficit comercial de bens dos Estados Unidos alcançou US$ 96,6 bilhões em maio de 2025, ampliando a diferença entre o que o país importa e o que exporta, o que reforça uma trajetória crônica: os EUA mantêm déficits expressivos há décadas, especialmente com parceiros como China, México e União Europeia.
Essa lacuna não é apenas contábil — ela alimenta um discurso político que associa o desequilíbrio externo à perda de empregos industriais, à fragilidade da cadeia produtiva nacional e à crescente dependência de insumos estratégicos vindos do exterior.
Desde seu retorno ao poder, Donald Trump tem intensificado sua estratégia de tarifas unilaterais sobre bens importados, ampliando medidas iniciadas em seu mandato anterior. A política tarifária atual atinge produtos de diversos setores — incluindo eletrônicos, veículos, alimentos processados e materiais industriais — e afeta diretamente países que fazem parte de alianças econômicas alternativas aos EUA, como o BRICS.
Os efeitos dessa abordagem já aparecem nos dados: em maio de 2025, as exportações americanas caíram US$ 9,7 bilhões em relação ao mês anterior, segundo relatório do Advance Economic Indicators — indicando uma possível retaliação por parte de parceiros comerciais e perda de competitividade externa.
Além disso, os preços internos de diversos produtos subiram, transferindo parte do custo das tarifas ao consumidor final. O objetivo declarado é proteger a produção nacional, mas o resultado imediato tem sido uma combinação de tensões diplomáticas, pressão inflacionária e instabilidade nos acordos comerciais internacionais.
No relatório de 2025 publicado pelo Peterson Institute for International Economics (PIIE), o economista Joseph Gagnon alerta para os limites da atual estratégia americana: um país que mantém déficits persistentes e financia seu consumo com dívida externa depende da confiança contínua de investidores internacionais.
O estudo mostra que os EUA vêm acumulando um passivo líquido crescente com o exterior, enquanto o mundo observa, com crescente cautela, a instabilidade política e econômica americana. O alerta do PIIE é claro: quanto mais se adia o ajuste, maior o risco de um “choque de confiança”, que pode se manifestar na valorização de outras moedas, no aumento dos juros domésticos e na fuga de capitais.
Esse risco reputacional também foi destacado pela revista The Economist em março de 2025, ao afirmar que a política errática da administração Trump está corroendo a imagem dos ativos americanos e alimentando a busca global por alternativas ao dólar.
A combinação entre déficit comercial elevado, endividamento externo e instabilidade política coloca os Estados Unidos em uma posição vulnerável — não no sentido clássico de uma crise iminente, mas como país que está testando os limites da confiança global que sempre sustentou sua vantagem financeira.
As tarifas, nesse contexto, não são apenas uma ferramenta econômica. Elas são um sinal de que o sistema anterior está sob revisão — e que os fundamentos que sustentaram o consumo americano por décadas já não oferecem a mesma estabilidade de antes.
Este é o segundo texto de uma série de artigos que analisam os desdobramentos da atual tensão econômica nos Estados Unidos. Clique aqui e leia o texto anterior e acompanhe a continuação nas próximas publicações.
Créditos da imagem: Canva
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Sobre Abraão Oliveira

- Engenheiro de pesca com mestrado em agronegócio e especialização em fluxos comerciais de pescado. É fundador da consultoria ProjePesca e cofundador da JubartData, que possui diversas empresas internacionais em seu portfólio. Atua como consultor de inteligência de negócios para empresas de pesca.


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