Devemos nos preocupar com a presença de arsênio no pescado? – Pt. 02
Comercialização

Devemos nos preocupar com a presença de arsênio no pescado? – Pt. 02

Na segunda parte deste artigo especial, confira como a presença do arsênio impacta o processamento e preparo dos alimentos

Alex Augusto Gonçalves - 25 de setembro de 2025

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Nas publicações relacionadas aos níveis de arsênio no pescado, normalmente são destacadas informações que relacionam os níveis de arsênio total, não sendo possível avaliar a forma mais ou menos tóxica. Nesse sentido, determinar o nível de arsênio total não parece ideal e talvez não seja o indicado para avaliar o risco à saúde, já que a forma inorgânica é a mais preocupante do ponto de vista toxicológico.

Aqui, também é importante destacar que os produtos de pescado são armazenados e/ou processados (congelamento, secagem, salga, cozidos etc.) e, geralmente, consumidos após algum tipo de preparo, como fritura ou cozimento. Logo, o armazenamento e o processamento podem potencialmente alterar a concentração e/ou o perfil de especiação dos compostos de arsênio no pescado.

No estudo conduzido por Dahl et al. (2010), foi avaliada a estabilidade dos compostos de arsênio em amostras frescas e congeladas de bacalhau-do-Atlântico (Gadus morhua), salmão-do-Atlântico (Salmo salar) e mexilhão (Mytilus edulis), nas formas cru, cozido e frito. Os resultados mostraram que as concentrações de arsênio total nas amostras frescas de bacalhau e salmão não diferiram das amostras após o congelamento - para o mexilhão, a concentração de arsênio total diminuiu significativamente após o armazenamento. Já o arsênio inorgânico foi detectado apenas nos mexilhões, sendo também importante destacar que não houve aumento significativo de arsênio inorgânico após o processamento ou armazenamento por congelamento. Por fim, a arsenobetaína representou 97% do arsênio total em todas as amostras, sendo que durante o armazenamento por congelamento, o teor de arsenobetaína diminuiu de forma significativa apenas nas amostras de mexilhão.

A seguir apresento uma tabela com dados da literatura científica nacional e internacional sobre os níveis de arsênio (As) em diferentes espécies de pescado, tanto marinho quanto de água doce. Observa-se que o foco dos estudos foram na análise de As total, indicando assim ampla variação nos teores de arsênio total entre as espécies e também entre indivíduos de uma mesma espécie, sendo que, em diversos casos, os valores superam o limite estabelecido pela ANVISA (1 mg/kg).
 

NÍVEIS DE ARSÊNIO EM VÁRIAS ESPÉCIES DE PESCADO (MG/KG MATÉRIA ÚMIDA)

 

Um ponto que eu trago aqui que é de suma importantância e que merece atenção é a falta de especificação da base utilizada — base seca (b.s.) ou base úmida (b.u.) — nas publicações científicas sobre arsênio em pescado. Quando os resultados não indicam a base, há risco de superestimar ou subestimar a concentração do metal, prejudicando a avaliação do risco à saúde e a comparação com limites legais. Por exemplo, um valor expresso em mg/kg de matéria seca (ou base seca) pode parecer três ou quatro vezes maior do que seria em matéria úmida, levando a conclusões equivocadas sobre a segurança alimentar.

Além disso, a ausência dessa informação dificulta a comparação entre diferentes estudos, uma vez que cada trabalho pode adotar uma base distinta. Ou seja, isso compromete a consolidação de informações sobre a presença de arsênio em diversas espécies de pescado e inviabiliza análises consistentes de exposição alimentar e impactos toxicológicos. Sendo assim, informar claramente a base utilizada é fundamental para garantir precisão, transparência e confiabilidade nos resultados de análises químicas de alimentos.

Na própria Instrução Normativa Nº 160, de 1º de julho de 2022 (ANVISA), que estabelece os limites máximos tolerados (LMT) para contaminantes em alimentos, incluindo arsênio em pescado, não há especificação sobre a base utilizada. Essa omissão pode gerar ambiguidades na interpretação e aplicação dos limites.

Cabe lembrar que a Anvisa publicou a Consulta Pública nº 1345, em 15 de agosto de 2025, que propõe a revisão da IN Nº 160/2022, que visa estabelecer critérios mais claros e atualizados para os LMT de contaminantes em alimentos, e a inclusão da definição da base (úmida ou seca) para a aplicação dos limites pode ser uma das sugestões a serem apresentadas. A consulta pública está aberta para contribuições da sociedade, permitindo que especialistas e interessados participem do processo de revisão normativa, com encerramento previsto para 24/10/2025.

Não obstante, na maioria dos estudos relacionados à ingestão dietética de arsênio, as análises concentram-se na quantificação do arsênio total, em vez de distinguir especificamente o arsênio inorgânico. Essa abordagem limita a avaliação dos resultados frente aos valores de referência toxicológica, os quais se baseiam predominantemente nas formas inorgânicas, mais tóxicas. Além disso, estudos que avaliam os teores de arsênio inorgânico em produtos de pescado cru não fornecem estimativas adequadas da ingestão real, uma vez que a maior parte desses alimentos é submetida a processos de cocção antes do consumo. Tais processos podem promover alterações significativas, tanto aumentos quanto reduções, na concentração e na distribuição das diferentes espécies de arsênio, o que inviabiliza a extrapolação direta dos dados obtidos em amostras cruas para estimativas precisas da exposição dietética.

 

Na próxima semana, confira a terceira e última parte deste artigo especial sobre o arsênio no pescado - leia a primeira parte na íntegra clicando aqui Quer ficar por dentro dessas e outras notícias do universo do pescado? Acesse nossa seção de notícias e também não deixe de seguir os perfis das Seafood Brasil no Instagramno Facebook e no YouTube!


Créditos imagens: Canva

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Sobre Alex Augusto Gonçalves
 
  • Oceanólogo (FURG), com especialização e mestrado em Engenharia de Alimentos (FURG), doutorado em Engenharia de Produção (UFRGS) e pós doutorado em Tecnologia de Ozônio (Dalhousie University, Canadá). Pesquisador (bolsista produtividade CNPq nível 2), Professor associado IV (Tecnologia do Pescado) no curso de Engenharia de Pesca (UFERSA), e Consultor internacional da FAO. Desde 2019, está cedido ao MAPA, onde ocupou diferentes cargos. Atualmente, exerce a função de coordenador da Ouvidoria e ouvidor substituto no MAPA. É autor de livro Tecnologia do Pescado: ciência, tecnologia, inovação e legislação (premiado no Jabuti 2012), e do livro Inspeção e Controle de Qualidade na Indústria do Pescado (previsto para 2025).
 
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