Audiência pública reuniu o setor em debate da “Nova Lei de Pesca”
Encontro no Senado contou com 14 participantes da pesca artesanal e industrial, do governo e da sociedade civil
16 de dezembro de 2025
A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal realizou, na terça-feira (9), uma audiência pública para discutir a atualização da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Pesca e da Aquicultura. O debate do PL 4.789/2024 reuniu 14 participantes convidados, com representações da pesca artesanal, da pesca industrial, do governo federal e da sociedade civil. Veja a audiência pública aqui.
O PL 4.789/2024 é conhecido como “Nova Lei da Pesca” por propor a modernização da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que atualmente rege a pesca e a aquicultura no País. A divisão entre as duas atividades em legislações distintas é uma das propostas do projeto e foi um dos temas mais recorrentes na audiência. Um dos pontos de maior convergência entre os participantes foi a avaliação de que a atual legislação reúne atividades de naturezas distintas sob o mesmo marco regulatório, o que gera entraves operacionais e insegurança jurídica.
“A gente precisa saber separar aquicultura da pesca. Aquicultura é uma coisa, pesca artesanal é outra.”, explicou a pescadora Arlene Costa, liderança do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP).
Segundo Francisco de Medeiros, presidente da Associação Brasileira de Piscicultura (PeixeBR), essa associação entre as atividades é um “erro crasso” da lei vigente, que acaba trazendo um prejuízo grande para o setor. “Por isso nós concordamos com o Projeto de Lei [4789/2024] e sua continuidade, porque desburocratiza a atividade sem a perda do Estado.”
Cadu Villaça, presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), completou que essas lacunas geram insegurança jurídica tanto para a pesca artesanal quanto para a industrial. “Nós saímos para o mangue ou para o mar para pegar o que a gente não plantou, não semeou, mas um presente que recebemos da natureza. Então, temos que zelar por isso com muita ciência, capacidade e respeito a um limite do que ela consegue se reproduzir. É uma atividade muito honrada e bonita, que merece ser muito mais valorizada do que tem sido. Mas, infelizmente, interesses momentâneos acabam levando isso para a maré do momento, enquanto nós tínhamos que ter uma âncora: que é uma lei de pesca bem-feita”, argumentou.
A ausência de instrumentos para estatísticas pesqueiras e avaliação de estoques também foi destacada. “A semente da pesca é a estatística, é disso que precisamos. Enquanto a lei colocar isso de maneira aberta e romantizada, de que o Executivo poderá fazer uma estatística, poderá fazer avaliações de estoque, nós poderemos, um dia, ter um setor. Precisamos que a lei obrigue os gestores a fazer isso”, disse Jairo Gund, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca).
“Precisamos lapidar melhor essa proposta de lei e temos instâncias para isso, como o próprio Conape [Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca] – que poderia, de maneira propositiva trazer os pontos de ajustes que ela precisa para que possamos, finalmente, avançar”, completou Gund, que demonstrou apoio ao Projeto.
Urgência regulatória e reconhecimento socialRepresentantes de organizações e da sociedade civil também se manifestaram sobre a importância da atualização do marco legal, com foco em governança e instrumentos de gestão.
A pescadora artesanal Marly Lúcia Souza, secretária nacional de Mulheres da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem Brasil), pontuou a necessidade de tornar o projeto mais célere. “Há uma urgência em reforçar que esse Projeto de Lei não foi construído por vaidade, mas sim por necessidade, por urgência e, principalmente pela garantia da vida – dos biomas e da vida humana, de quem depende econômica e alimentarmente desse sistema”, explicou.
Já o diretor científico da Oceana Brasil, Martin Dias, também destacou a importância da mudança na legislação. “Esse é um Projeto de Lei para aprimorar e atualizar conceitos; reconhecer e valorizar a pesca artesanal e as mulheres pescadoras; trazer instrumentos de monitoramento e gestão adequados à realidade da pesca brasileira; estabelecer papéis e responsabilidades para que o Ministério saiba, pela lei, o que será feito independente do que aconteça politicamente”, disse.
Segundo ele, o Projeto ainda irá “monitorar, planejar e ordenar a pesca, com uma estrutura mínima para que isso aconteça de maneira contínua e estruturada”, explicou.
Governo diverge; Pescadores rebatem críticasO debate também evidenciou divergências dentro do próprio governo federal quanto à forma de construção e ao conteúdo do Projeto de Lei.
Roberto Gallucci, coordenador-geral de Gestão e Ordenamento Pesqueiro do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), destacou que o Projeto traz inúmeros aspectos positivos, visando questões como modernizar a política pesqueira nacional, atualizar as práticas adotadas e suprir deficiências em questões que ainda precisam de avanço. “Dito isso, reconhecemos que, do ponto de vista ambiental, o Projeto de Lei tem o mérito de provocar discussão e o aprimoramento da gestão pesqueira nacional, tendo sido construído de forma participativa com a sociedade, com o setor pesqueiro tanto artesanal quanto industrial, e com representantes da comunidade científica. A questão da participação social na gestão pesqueira, inclusive, não apenas na construção desse Projeto, mas em sua implementação, é uma das premissas que nós defendemos”, comentou.
Por outro lado, o diretor do Departamento de Territórios Pesqueiros e Ordenamento do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Cristiano Quaresma, se declarou a favor de uma revisão da lei, mas questionou justamente a ausência de propostas concretas, a falta de participação social no processo de construção e a ausência de mensuração aos impactos diretos a pescadores e pescadoras no PL 4789/2024.
O posicionamento foi rebatido de forma veemente por pescadores e pescadoras presentes. José Alberto Ribeiro, conhecido como Beto Pescador, liderança da pesca artesanal pela Confrem Brasil, disse que a necessidade de uma nova lei foi discutida pelas bases por anos, até que, a partir de 2022, a construção e a atualização da legislação foram estabelecidas como objetivos da categoria: “uma das nossas metas, inclusive, era construir de forma participativa e integrar todo o setor, que teve a oportunidade de sentar e dialogar juntos”.
FPA defende ajustes na leiNo campo político, parlamentares destacaram a necessidade de atualizar o marco legal das atividades. O senador Jorge Seif (PL-SC), afirmou que a atualização da lei é essencial para corrigir lacunas e garantir que a gestão da pesca acompanhe as transformações do setor.
Como destaca o portal da Agência FPA Agropecuária, ele defendeu autonomia plena do Ministério da Pesca em relação ao Meio Ambiente para evitar entraves administrativos e conflitos de competência. O senador também reforçou a necessidade de um programa permanente de estatísticas oficiais. “Precisamos de um programa de estatística pesqueira conduzido pelo governo, que dê transparência e isenção aos dados do setor”, afirmou.
O autor da proposta, senador Alessandro Vieira, reforçou que a legislação atual não contempla temas essenciais e precisa ser modernizada. Segundo ele, o novo marco legal incorpora princípios modernos e amplia a segurança jurídica. “A principal motivação para a criação do projeto foi a necessidade de atualizar e modernizar a legislação pesqueira brasileira, que se encontra defasada e com lacunas”, afirmou.
Já o relator Marcos Rogério destacou que o texto fortalece a pesca artesanal, amplia a transparência do setor e aprimora a governança. “Do ponto de vista socioeconômico, a proposição fortalece a pesca artesanal, simplificando registros, assegurando assistência técnica e reconhecendo saberes tradicionais. O projeto harmoniza a utilização econômica dos recursos com a preservação ambiental e a justiça social”, disse.
Construção coletivaO Projeto de Lei 4789/2024 é resultado de mais de 600 horas de reuniões e diálogos entre 150 lideranças da pesca de todo o Brasil, entre 2022 e 2024, quando foi, por fim, protocolado no Senado Federal sob a autoria do senador Alessandro Vieira (MDB/SE).
No Senado, o Projeto foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) em julho deste ano, com parecer favorável do senador Marcos Rogério (PL/RO). Desde então, segue na Comissão de Meio Ambiente. A solicitação de Audiência Pública foi uma iniciativa da senadora Leila Barros (PDT/DF), justamente para colher subsídios técnicos e ouvir diferentes perspectivas sobre o Projeto antes que ele siga para votação. Caso seja, então, aprovado no Senado, ele segue em discussão na Câmara dos Deputados.
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Créditos da imagem: Canva


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