82% das mulheres já sofreram assédios em embarcações no Brasil
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82% das mulheres já sofreram assédios em embarcações no Brasil

Estudo ilustra cenário de assédio em embarcações no Brasil e mostra desigualdades vivenciadas por mulheres nesses ambientes

26 de fevereiro de 2024

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Um estudo realizado por pesquisadoras da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e instituições parceiras revela dados alarmantes sobre o assédio enfrentado por trabalhadores em embarcações no Brasil: Três em cada quatro profissionais (75%) já sofreram assédio moral ou sexual no ambiente de trabalho. O cenário é ainda mais grave para as mulheres, das quais 82% relatam terem sido alvo de algum tipo de assédio nesses ambientes.
 
Em situações mais frequentes, quatro em cada cinco ocorreram com mulheres entre 25 e 40 anos, em início de carreira, e envolvem piadas sexistas e discriminatórias. A maioria das mulheres estava a bordo para atividades de pesquisa ou estágios. Por sua vez, a maioria dos agressores eram homens em posição hierárquica superior à da vítima.
 
O assédio contra mulheres na sociedade é um problema grave e generalizado, que se manifesta de diversas formas e contextos, incluindo assédio verbal, sexual, moral, virtual (cyberbullying) e outros comportamentos inadequados e desrespeitosos.
 
Conforme destacado no artigo publicado na revista científica Marine Policy, elaborado por Michele Cristina Maia, Gabriela Lamego, Carla I. Eliff, Jana M. Del Favero, Juliana Leonel e Catarina R. Marcolin, o assédio no local de trabalho e no ambiente acadêmico impacta a saúde física e mental das vítimas, afetando tanto a pessoa agredida quanto a organização e o progresso da ciência.
 
"O objetivo desta pesquisa foi analisar as situações de assédio moral e sexual relatadas por pessoas que atuam em embarcações, buscando compreender as desigualdades vivenciadas por mulheres nesses ambientes", explica Catarina R. Marcolin, bióloga em oceanografia e professora da Universidade Federal do Sul da Bahia.
 
Principais resultados 
 
O estudo utilizou um formulário semiestruturado com um total de 33 questões (29 fechadas e 4 abertas), direcionado aos profissionais do oceano no Brasil. O formulário online foi amplamente compartilhado e disponibilizado durante três meses em 2021, rendendo 260 respostas.
 
O cenário mais relatado foi o de colegas de trabalho predominantemente do sexo masculino e o perfil agressor mais comum foi o de homens em posição hierárquica superior.
 
Apenas 35 pessoas (18,0%) fizeram queixas formais de assédio, embora 195 delas tenham relatado ter sofrido assédio a bordo.
 
Além disso, 78,3% (199) do número total de participantes da pesquisa indicaram saber de pelo menos um relato de mulheres que sofreram assédio a bordo.
 
Quanto às situações de assédio e bullying vivenciadas pelos participantes do estudo, aquelas relatadas como ocorrendo regularmente entre mulheres foram: piadas sexistas (42,9%) e olhares ou gestos sugestivos indesejados (32,3%); para os homens, essas foram: comentários de natureza sexual (46,9%) e piadas sexistas (28,1%).
 
44,1% (86) dos participantes da pesquisa que experimentaram assédio e/ou bullying eram estudantes de graduação ou pós-graduação, seguidos por 13,8% (27) de profissionais do oceano.
 
A maioria dos participantes da pesquisa que relataram assédio e/ou bullying estava a bordo de navios na ocasião, incluindo embarcações de pesquisa oceanográfica (49,1% das mulheres e 40,6% dos homens).
 
A maioria das situações de assédio/bullying foi relatada em embarcações pertencentes ao setor privado (32,9% para mulheres e 37,5% para homens), seguidas pela Marinha do Brasil (22,4% para mulheres e 12,5% para homens).
 
Entre os participantes da pesquisa que sofreram assédio e/ou bullying, apenas 30 mulheres (18,6%) e 4 homens (12,5%) relataram a situação às autoridades.
 
Já as consequências das situações de assédio e bullying para a saúde e a carreira são diversas. Os sintomas físicos mais frequentes após assédio e/ou bullying, tanto para mulheres quanto para homens, foram: diminuição da energia vital, insônia, tensão muscular e dores de cabeça.
 
Quanto aos sintomas psicológicos, os mais citados foram raiva, insegurança, impotência, motivação afetada e falta de motivação para o trabalho. Os sintomas mais relatados foram geralmente os mesmos entre homens, mulheres e pessoas não-binárias.
 
Muitos problemas, poucas discussões
 
Diante dos dados alarmantes revelados pela pesquisa, Marcolin lamenta a ausência de conscientização sobre o assédio moral e sexual em embarcações no Brasil, apontando que este tema começou a ser abordado muito recentemente na literatura acadêmica e recebe pouco debate aberto nas instituições responsáveis pelos embarques.
 
Sobre uma cultura geral em embarcações em relação ao tratamento das mulheres a bordo, a pesquisadora destaca ainda que é difícil generalizar, pois há muitas diferenças em relação ao tipo de embarcação, tempo de embarque e existência de hierarquias rígidas ou não.
 
"Vale lembrar que o ambiente embarcado é uma extensão da nossa sociedade, que é estruturalmente machista e racista, mas que apresenta características que potencializam situações de violência, como o isolamento e a predominância de profissionais homens", diz.
 
Ela aponta que são frequentes os relatos de mulheres que sentem que não são ouvidas, que têm suas solicitações ou ordens ignoradas e que são tratadas com desrespeito por estarem em um ambiente tradicionalmente masculino.  "Nós mostramos que o problema existe, que é real, a partir dos dados coletados. O ambiente embarcado é um local perigoso para a mulher no Brasil. Também evidenciamos as situações de maior risco e quando ocorrem com mais frequência as situações de assédio", comenta a pesquisadora.
 
Prevenir e combater 
 
Nas conclusões do artigo, as pesquisadoras sugerem algumas estratégias eficazes para prevenir e combater o assédio em embarcações no Brasil:
 
- A necessidade de mudanças estruturais no ambiente de trabalho embarcado;
- Ações direcionadas aos indivíduos, às organizações e aos setores relevantes;
- Pensar em políticas e ações regulatórias;
- Criar canais confiáveis de denúncia para receber e investigar relatos.
 
Além disso, as pesquisadoras recomendam a inclusão desta temática em briefings, momento antes do início do trabalho embarcado, quando os responsáveis pela atividade explicam questões básicas da operação e segurança. Explicar que naquele embarque há uma política de zero tolerância ao assédio é uma estratégia importante.
 
"Recomendamos também que as instituições ofereçam capacitações para que as pessoas saibam identificar casos de assédio e orientá-las sobre como agir nessas situações. Criar canais de denúncia confiáveis, garantindo o sigilo, para receber e investigar relatos também é essencial para proteger as vítimas", diz Marcolin.
 
O artigo publicado na Marine Policy é resultado do projeto de mestrado de Michele Maia, orientada por Marcolin. Juntas a outras coautoras, elas estão produzindo um guia de combate ao assédio em embarcações, que logo deverá ser publicado.
 
"Esperamos assim colaborar para uma compreensão mais ampla sobre o que é assédio, como denunciar e contribuir para a construção de medidas e protocolos relacionados à desigualdade de gênero e ao assédio em embarcações", finaliza a pesquisadora.
 
Créditos da imagem: Canva

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