Tendências para o futuro da aquicultura
Indústria

Tendências para o futuro da aquicultura

Em um cenário cada vez mais orientado pelo consumidor, a indústria do pescado enfrenta desafios e oportunidades únicas

29 de dezembro de 2023

Por: Leandro Kanamaru Franco de Lima, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura
 
Em um cenário cada vez mais orientado pelo consumidor, a indústria do pescado enfrenta desafios e oportunidades únicas. No artigo exclusivo para a Seafood Brasil, exploramos as tendências que moldarão o futuro da aquicultura, apresentando insights valiosos do pesquisador Leandro Kanamaru Franco de Lima, da Embrapa Pesca e Aquicultura:
 
1. Tendências e avanços no processamento de pescado
 
Alimentos saudáveis, seguros e produzidos de forma sustentável, tanto do ponto de vista socioambiental quanto às questões ligadas ao bem-estar animal ganham cada vez mais destaque na preferência pelos consumidores. As indústrias beneficiadoras de
pescado têm buscado inovar seus modos de produção com uso de tecnologias desenvolvidas para todas as linhas de produção.
 
2. Abate humanitário de peixes
 
Em primeiro lugar, podemos destacar as demandas e as exigências para serem utilizadas formas humanitárias no abate de peixes comerciais com o uso de técnicas de insensibilização adaptadas à espécie. Já existem comprovações científicas consistentes
demonstrando que estes animais são sencientes, ou seja, possuem a capacidade de sentir e responder a estímulos tanto positivos quanto negativos.
 
Assim, durante o abate, os peixes precisam ser submetidos a procedimentos operacionais muito bem definidos e que causem sua correta insensibilização tornando o processo mais humanitário. A utilização da tradicional termonarcose, que representa o uso de água e gelo para a realização do abate industrial do pescado brasileiro começa a ser questionado quanto à sua capacidade de garantir o bem-estar animal.
 
Tal cenário contribui para o surgimento de novas tecnologias de insensibilização seja pela eletronarcose (uso do choque elétrico)
ou por equipamentos capazes de causar uma lesão cerebral por dispositivo concussivo (pistola pneumática), muito comumente utilizada em outros animais de produção, principalmente os de grande porte.
 
No Brasil, atualmente, não existe uma regulamentação definitiva para a prática, principalmente quando são consideradas as mais diferentes espécies produzidas e processadas pelas indústrias. Outro ponto de grande destaque corresponde à qualidade
do produto final proveniente de um animal submetido a um estresse desnecessário durante a despesca e o abate comercial. Diversos estudos já demonstram a existência de alterações deletérias na qualidade da carne, no tempo de armazenamento, na
refrigeração e no congelamento, refletindo diretamente a questão econômica e de preferência do consumidor.
 
3. Aproveitamento integral
 
Diminuir o desperdício, gerar menos resíduos e aumentar a rentabilidade do setor são pilares para o sucesso da atividade no cenário atual. Considerando que um determinado tipo de peixe pode gerar até 70% de resíduo nos processos de filetagem
industrial, seja automatizado ou não, cada vez mais as empresas estão buscando formas de aproveitar o material descartado para a geração de coprodutos com alto valor agregado.
 
Entre as novidades estão os cortes de tambaqui sem espinhas (ventrecha com lombo, banda e lombo), os produtos a base de carne mecanicamente separada (CMS) e a padronização de cortes (filé, lombo e barriga) para espécies de médio e grande porte
com posterior agregação de valor de mercado por meio da defumação, salga e elaboração de embutidos. Muitas destas estratégias visam aumentar o potencial de comercialização, minimizar os desperdícios e valorizar os portfólios de produtos das
grandes empresas do setor.
 
Outro grande destaque é o aproveitamento de peles e escamas para as mais diversas aplicações cosméticas e medicinais. Trabalhos que utilizaram peles de peixe para o tratamento de feridas por queimaduras, tanto em animais domésticos como em humanos, por exemplo, já deixaram os artigos científicos e estão na rotina de hospitais universitários brasileiros recebendo grande destaque da mídia tradicional. O colágeno obtido das escamas e das peles de algumas espécies também ganharam destaque pelo
grande potencial de aplicação comercial para as indústrias de alimentos, de cosméticos e odontológicas.
 
4. Equipamentos e maquinários
 
Pensando em inovações para os equipamentos industriais, o foco sempre será no aperfeiçoamento e melhoria dos rendimentos, da qualidade e da produtividade obtida nas linhas de processamento. Atualmente, já existem equipamentos, que auxiliam a
logística das unidades de beneficiamento, destinado tanto para processos simples como, por exemplo, realização da sangria, corte da cabeça, trituração de carcaças, quanto para processos complexos como filetagem, fracionamento e, principalmente, remoção de
espinhas intramusculares.
 
Por causa da alta perecibilidade do pescado, a necessidade de preservação da sua qualidade ainda é um grande desafio para a cadeia produtiva. Aliado aos métodos tradicionais para conservar a qualidade do pescado, como o resfriamento, o
congelamento e a salga, métodos recentes de tratamento não térmicos têm aumentado consideravelmente sua popularidade e estudo na indústria pesqueira.
 
Estes métodos têm por objetivo estender a vida útil do alimento, por meio da redução ou destruição de microrganismos patogênicos e deteriorantes, mantendo a sua qualidade físico-química. Exemplos desses são: irradiação, alta pressão hidrostática, tecnologia de luz pulsada, ultravioleta, plasma frio e tratamentos com ozônio.
 
Por outro lado, cresce cada vez mais a demanda por unidades modulares ou mesmo móveis para o beneficiamento da matéria-prima pescado. Devido à sua perecibilidade já conhecida e a dificuldade logística de transporte de animais vivos após a despesca por longas distâncias, a alocação de unidades básicas de processamento em pontos estratégicos é uma demanda recorrente de uma grande parte do setor, desde que estejam regulamentados por órgãos fiscalizadores e que respeitem todas as exigências
legais de funcionamento.
 
Para que a produção de peixes não esteja nas mãos de atravessadores, evitem a clandestinidade e agregue renda para os pequenos produtores, tais estruturas podem surgir como uma alternativa economicamente viável e adaptada às diferentes realidades nas regiões produtoras do pescado brasileiro.
 
5. Riscos sanitários do pescado
 
O pescado é uma das commodities alimentares mais negociadas em todo o mundo, movimentando bilhões de dólares anualmente. Para o Brasil, a produção de peixes em cativeiro, principalmente os peixes nativos, destaca-se como importante atividade produtiva sob o ponto de vista econômico e social.
 
No entanto, este peixe pode ser veículo de doenças transmitidas por alimentos (DTA), causadas pela ingestão de um alimento contaminado por um agente infeccioso ou pela toxina por ele produzida. O conceito de Saúde Única envolve uma abordagem global multissetorial, transdisciplinar, transcultural, integrada e unificadora que visa equilibrar e otimizar de forma sustentável a saúde de pessoas, animais e ecossistemas.
 
Neste cenário, existem vários microrganismos considerados deteriorantes e patogênicas que estão no ambiente produtivo e ocorrem com certa frequência no pescado, o que têm preocupado profissionais diretamente ligados à saúde pública em todo o mundo pela sua morbidade, complexidade e dificuldade de controle. Adicionalmente, muitos destes agentes infecciosos possuem grande adaptação fisiológica devido a sobrevivência no solo e na água que se tornam meios de contaminação tanto dos animais como de manipuladores.
 
A adaptabilidade no ambiente natural associada às práticas de uma aquicultura intensiva leva a um aumento do risco de contaminação entre os animais contaminados e não contaminados, contribui para disseminação no peixe e, por consequência, na indústria processadora.
 
O peixe brasileiro é produzido em viveiros de terra e tanques-rede instalados em reservatórios de água. Esses sistemas podem ser considerados, de certa forma, desprotegidos por ficarem expostos à contaminação ambiental de variadas fontes, como fezes de animais ou pela introdução de alimentos e rações contaminadas. Além disso, o clima quente, associado à riqueza de nutrientes na água de cultivo, potencializa a multiplicação destes microrganismos indesejáveis e prejudica a abordagem de Saúde Única na piscicultura brasileira.
 
Ainda, tem se observado que as exportações do pescado brasileiro vêm sofrendo com embargos comerciais devido à presença destes contaminantes microbiológicos detectados nas amostras, somando um prejuízo de milhões de reais. Segundo as
legislações internacional e brasileira, por exemplo, é proibida a comercialização de pescado contaminado por Salmonella sp. e, quando sua presença é detectada, todo o lote é descartado e a indústria passa por um processo fiscalizatório desgastante para sua
higienização e posterior liberação.
 
Diante desse contexto, a aquicultura demanda por tecnologias corretivas inovadoras e ações de caráter preventivo para a minimização dos riscos relacionados com o surgimento de focos recorrentes de contaminação dos agentes infecciosos preconizados pela legislação, tanto na produção, quanto na indústria, a fim de se produzir um peixe seguro sob o ponto de vista sanitário e nutricional, ambientalmente limpo e que configure seu produto como uma importante commodity alimentar.
 
Créditos da imagem: Embrapa Pesca e Aquicultura/Jefferson Christofoletti
 

 
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