Tainha: regras podem reduzir subnotificação, mas falta rastreabilidade
Portaria SAP/MAPA 106/2021 atualiza os regramentos para a safra da tainha em 2021
Ademilson Zamboni - 14 de abril de 2021
A Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) publicou no dia 7 de abril a Portaria SAP/MAPA 106/2021 que atualiza os regramentos para a safra da tainha em 2021. A publicação tem por base resultados da nova avaliação de estoque conduzida pelo governo em 2020, além de resultados de um Grupo de Trabalho que debateu a pesca da tainha em janeiro deste ano.
As cotas de captura para 2021 somam 1.385 toneladas, sendo 605 toneladas para a pesca industrial e 780 toneladas para a pesca artesanal com redes de emalhe anilhado. Essa é a menor cota anual já estabelecida pelo governo desde que o sistema foi implantado em 2018, e se explica pelas reduções no tamanho do estoque apontadas pelos cientistas recentemente.
Comparativamente ao ano passado, os maiores cortes se aplicaram à pesca artesanal de emalhe anilhado, que teve cota reduzida em 416 toneladas. Essa redução levou em conta a produção média da frota nos últimos anos. Por não terem alcançado as cotas nos anos anteriores, a SAP optou por realocar parte do volume para os barcos industriais, mesmo não havendo previsão em norma para tal. O número de embarcações industriais que poderão pescar em 2021 segue reduzido a um máximo de 10 unidades (um corte de 80% em relação a 2018), ao passo que para a pesca artesanal de emalhe permanecem autorizadas 130 embarcações, número adotado desde o início do sistema de cotas em 2018.
As mudanças mais significativas nas regras para a safra atual estão no controle das empresas envolvidas na produção e exportação de ovas. Dados do COMEXSTAT/MDIC acessados pelo Grupo de Trabalho apontavam que os volumes de ovas de tainha exportados em 2018 e 2019 não eram compatíveis com as quantidades de tainha capturadas e registradas nos sistemas de controle do governo. Os números mostravam que uma parcela grande da produção não estava sequer registrada nos sistemas de controle de cotas e até mesmo no Serviço de Inspeção Federal (SIF).
Diante da denúncia do GT, as novas regras adotadas buscam aumentar o controle sobre as ovas de tainha. Até 2020, as empresas pesqueiras eram obrigadas a declarar somente os volumes de tainha recebidos, sem qualquer exigência quanto às ovas. A partir deste ano, empresas envolvidas na produção de ovas terão de declarar seus estoques até 30 de abril e, no decorrer da safra, terão de registrar os volumes de ovas de tainha extraídos para fins de controle e verificação. O que é positivo.
Controlar de maneira eficaz a produção pesqueira é um desafio não apenas na pesca da tainha. Dados recentes publicados pela SAP demonstram que as exportações de pargo (Lutjanus purpureus), uma espécie capturada no norte do Brasil, são três vezes maiores do que os volumes reportados pela frota em seus Mapas de Bordo. O fato é que subnotificações na pesca brasileira parece estar muito mais no campo da regra do que da exceção.
O caminho para reduzir problemas de subnotificação passa necessariamente pela modernização dos sistemas existentes de monitoramento, como os Mapas de Bordo, e pela ampliação dos mecanismos de controle. Somente por meio do cruzamento de múltiplas fontes de dados e informações é que as fraudes poderão ser identificadas, dimensionadas e combatidas. E a adoção de cotas, sem dúvida, é um primeiro passo para isso.
Voltando ao caso da tainha, características como a curta duração da safra (01 de maio a 31 de julho – a depender do alcance das cotas), os elevados volumes e o grande valor das ovas no mercado internacional tornam necessário um sistema mais robusto de rastreabilidade, comprovação de origem e certificação dos produtos antes da sua exportação. Durante as discussões do GT a Oceana defendeu a proposta – e ficou isolada - de que o mais seguro para esse estoque que se encontra sobrepescado, seria o fechamento completo da pesca industrial até que este sistema estivesse desenvolvido.
De toda forma, o caminho trilhado parece estar no rumo certo – mesmo que no nosso entender, decisões mais ousadas pudessem ter sido tomadas. A consolidação de um modelo de gestão baseado em avaliações de estoque e na adoção de cotas com base científica coloca a pesca da tainha como uma das mais avançadas no Brasil em termos de ordenamento. Seu sistema de monitoramento digital também facilita o controle e a verificação da produção em tempo real, algo inexistente em outras pescarias brasileiras. Por fim, aumentar o foco do controle nas etapas de processamento e comercialização – algo historicamente vinha sendo feito apenas nas capturas, é claramente um avanço no combate à pesca ilegal e não declarada.
Créditos da imagem: Oceana Brasil
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Sobre Ademilson Zamboni
- Diretor-geral da Oceana Brasil. Oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo.