Por que não somos uma potência mundial na pesca e na aquicultura?
Brasil possui uma das maiores reservas de água-doce do mundo e uma costa marinha de mais de 7 mil quilômetros
Luana Arruda Sêga - 24 de fevereiro de 2023
O mundo produz hoje quase 180 milhões de toneladas de pescados por ano, incluindo pesca e aquicultura em áreas marinhas e de água-doce. Em muitos países, essas atividades estão quase inteiramente relacionadas a subsistência e a pequena escala, comprovando sua importância social, porém, o mercado expansivo de pescados em todo o mundo está se tornando cada vez mais disputado, tecnológico e sustentável, comprovando a enorme oportunidade econômica desse setor.
O Brasil possui uma das maiores reservas de água-doce do mundo e uma costa marinha de mais de 7 mil quilômetros e, portanto, faria grande sentido se o País fosse um dos maiores produtores dessas proteínas em todo o mundo, porém, na prática, isso ainda não acontece.
O desenvolvimento nacional da pesca e da aquicultura aconteceu a partir das décadas de 1930 e 1940 e essas atividades alcançaram uma importância socioeconômica muito forte de Norte a Sul do Brasil. A produção extrativa mundial de pescados está, de certa forma, estabilizada nos últimos anos, enquanto a produção da aquicultura não para de crescer. Novas tecnologias e inovações aplicadas aos cultivos marinhos e de água-doce incrementam a produção, diminuem custos e tempo e desenvolvem o mercado para essas espécies o tempo todo.
No Brasil não é diferente, nós estamos entre os 15 maiores produtores de pescados de aquicultura no mundo, a produção nacional cresceu cerca de 45% nos últimos 7 anos e a estimativa é de que essa produção cresça mais de 19% até 2030. No caso da pesca, o Brasil se destaca na captura de água-doce, em comparação com outros países, mas na pesca marinha ainda temos um longo caminho a percorrer.
Ao contrário da estabilidade que vemos na pesca extrativa mundial, a expectativa para a produção nacional é de um crescimento de mais de 14% até 2030, segundo dados da FAO. Porém, existe uma lacuna de informações muito complicada nos números que aportamos para o mundo.
As capturas nacionais, marinhas e, principalmente, de água-doce, são subestimadas, visto que não existe um controle ou monitoramento oficial a mais de uma década no país. Informações de exportação são importantes para esse monitoramento, mas não retratam nem de perto o cenário completo dessa produção.
A estatística pesqueira nacional, ou a falta dela, é um dos maiores desafios para a gestão e desenvolvimento pesqueiro no Brasil. Em todo o mundo sabe-se que a estatística, embora não seja a única ferramenta, é a base para o controle de biomassa e avaliações de estoques dos recursos capturados e, sem ela, pesquisadores muitas vezes precisam trabalhar por conta própria para conseguir acesso aos melhores dados disponíveis.
Neste contexto, o Brasil também não possui, a exemplo de outros países vizinhos, um Instituto de Pesquisa voltado para o desenvolvimento da pesca e da aquicultura, fazendo com que as pesquisas e projetos, incluindo estatística e monitoramento, tenham que se desenvolver, na maioria das vezes, dentro de laboratórios de universidades parceiras, a partir de financiamentos terceirizados.
Um dos grandes desafios que todos os usuários enfrentam é a gestão dessas atividades no País. A pesca e a aquicultura passaram por inúmeras trocas de pasta dentro do Governo Federal nos últimos anos, o que causa, junto com as trocas de mandatos de cada ciclo, uma ruptura de planos e estratégias que são fundamentais para o desenvolvimento dessas atividades econômicas.
Além dessas quebras e recomeços, a gestão pesqueira e aquícola nacional também passou por momentos de falta de integração nas discussões, principalmente dos atores interessados, gerando, muitas vezes, uma falta de cumprimento das normas por parte dos usuários, que resulta da sua insatisfação com o sistema top-down.
Já existem estudos que comprovam que uma gestão participativa, onde todos compreendem e concordam com as normas propostas, pode não só melhorar o desenvolvimento da atividade como também recuperar estoques pesqueiros que estejam em declínio.
Apesar do grande potencial de produção do Brasil, não podemos deixar de levar em consideração a questão ambiental, pois não podemos comparar nossa produção extrativa marinha com a do Peru, por exemplo, que possui em sua Zona Econômica Exclusiva uma das águas mais produtivas do mundo, resultado de uma ressurgência causada por uma corrente marinha que permite ao país produzir milhares de toneladas e anchoveta todos os anos, colocando-o como 3º maior produtor mundial em pesca marinha.
Sabemos que águas mais temperadas são mais produtivas que águas de clima inteiramente tropical, o que explica uma maior produtividade a partir das regiões Sudeste e Sul do País. Outra grande área de produtividade se encontra no Norte, onde
temos drenagem constante na bacia do Rio Amazonas, um dos maiores rios do mundo.
Mesmo com as peculiaridades de um País com uma costa tão extensa, que possui climas diferentes, a frota pesqueira nacional possui um oceano de oportunidades e uma Zona Econômica Exclusiva de quase 4 milhões de km² para explorar, sabendo que hoje a maioria das capturas acontece dentro das 12 milhas do Mar Territorial.
A frota nacional está dividida hoje entre artesanal e industrial, mas, não podemos deixar de esclarecer, que nossa frota industrial não se compara com a de países desenvolvidos que atuam na pesca em águas internacionais. Esse comparativo transforma nossas embarcações grandes em pequenas, dentro dessa escala, e pode nos fazer enxergar grandes possibilidades de investimento em renovação da frota e de seus petrechos e inovação nos sistemas de captura nacionais.
O mundo está caminhando para o desenvolvimento sustentável de todas as suas atividades econômicas e a pesca e a aquicultura não estão de fora. A pressão por responsabilidade com o meio ambiente e com a sociedade está cada vez mais evidente e necessária.
Novas tecnologias, desde a produção primária até a industrialização dos produtos pesqueiros e aquícolas, estão sendo descobertas e implementadas com o objetivo de tornar a atividade cada vez mais rentável respeitando os três pilares da sustentabilidade: ambiental, social e econômico.
Em contrapartida, existe uma grande campanha sensacionalista contra o consumo de proteínas animais em geral, incluindo
os pescados. Uma das novas necessidades do setor é mostrar que estamos trabalhando em prol dessa sustentabilidade, fazendo campanhas de consumo e de conscientização da população sobre a realidade da atividade e dos benefícios dos pescados na vida
humana. Além de todos os benefícios nutricionais, pesquisas já comprovam que pessoas que consomem pescados são mais felizes e incentivar esse consumo é essencial para um País onde se consome bem menos do que a média mundial.
Se compararmos nossos desafios com outros países em desenvolvimento da América Latina veremos que existem problemas semelhantes, como as campanhas ambientalistas contra a pesca, a falta de mão de obra qualificada na produção primária
e acordos internacionais que dificultam, em vários níveis, o desenvolvimento da atividades.
Porém, o Brasil ainda precisa voltar um pouco e estabelecer princípios básicos de gestão e desenvolvimento que hoje não estão sendo realizados. A falta de estatística nacional pesqueira e aquícola, o fechamento do mercado europeu para exportações de pescados, a falta de um instituto de pesquisa que consiga reunir e organizar pesquisadores e projetos, as quebras e recomeços na gestão e a falta de planos e políticas nacionais que ultrapassem ciclos eleitorais são pontos de partida para o sucesso da pesca e da aquicultura no País.
Precisamos, mais do que nunca, de união de todos os atores em busca do desenvolvimento sustentável das nossas atividades e de campanhas de consumo que contribuam, cada vez mais, para o crescimento do setor de pescados no País e no mundo.
Créditos: Canva
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