Panga brasileiro x panga importado
O julgamento e as comparações pelo consumidor entre um produto e outro serão cruciais
Uilians Emerson Ruivo - 30 de maio de 2019
Estamos em hora oportuna para fazer uma reflexão sobre o título desta matéria.
É muito mais do que um tema, é uma oportunidade na cadeia produtiva que se inicia com os piscicultores, mas cujo destino final será o mercado, o consumidor.
Os futuros filés do panga brasileiro irão encontrar a concorrência de outras espécies de peixe e do próprio panga importado. O julgamento e as comparações pelo consumidor entre um produto e outro, e até mesmo a conquista de seu espaço através do preço x qualidade x apresentação x identidade, serão cruciais no sucesso de toda a cadeia produtiva.
Ao adquirirmos o salmão importado reconhecemos seus diferentes tons de vermelho ou algo de alaranjado. Isso pesa no processo de decisão.
Ao comprar o panga importado, nossa referência é o filé branco e preço competitivo.
O frango caipira reinou por muitos anos como referência e predileção. No entanto, o preço competitivo, a regularidade na oferta do frango de granja e a facilidade na apresentação para o preparo culinário atropelaram os hábitos e costumes do frango da roça. Ainda há mercado para ele, mas com apelo gourmet ou “orgânico”.
A tradicional merluza importada da Argentina, sempre presente na mesa dos brasileiros, perdeu muita venda com a entrada do panga no Brasil, a partir de 2009. Foram muitos anos para reconquistar uma parcela do mercado.
FIlé congelado e embalado em testes feitos em planta no Nordeste:
Preço: este é o grande balizador! Qualidade e apresentação também importam.
A polaca do Alasca também criou tumulto no mercado e foi conquistando espaço, brigando com a merluza e o panga. Era comum em alguns supermercados a oferta com desconto a partir da compra do segundo pacote do produto. Isso não era uma bondade dos supermercados, mas uma inteligente ação comercial, onde o produtor / exportador / distribuidor e varejista fazem a sua parte de sacrifício comum para a introdução e tentativa de popularização de um novo produto ou espécie.
O que nos espera com o filé de panga, cultivado no abençoado Brasil? Temos água, boa temperatura, oferta de milho e soja, boa rede logística para distribuição, mercado, experiência no cultivo e manejo de outras espécies. Como se sabe, esta espécie já está no Brasil há 30 anos, através do aquarismo.
Há pesquisador trabalhando para conhecer o seu comportamento e resposta zootécnica voltado à alimentação humana há 20 anos.
Duas grandes empresas de pesca ao serem consultadas, informaram vender o panga importado para todos os Estados brasileiros. Uma delas acrescentou que há 2 anos as vendas estão ligeiramente em queda, devido ao preço e a atuação do Ministério da Agricultura. Comentaram ainda, que a cor branca do filé do panga é algo a ser alcançado.
Se fossemos transformar toda a tonelagem do filé de panga importado (50.000.000 kg), em peso de peixe inteiro, considerando um rendimento de 40%, alcançaríamos 125 milhões de kg ou 125 mil ton.
Isso é o que o Brasil poderia cultivar em panga, para hipoteticamente substituir o importado. Essa substituição levará tempo! Não se pode impor imposto sobre produtos do Vietnã para ganharmos competitividade. O Vietnã também importa vários itens do Brasil e a produção pela pesca não abastece o suficiente. Nossos concorrentes somos nós mesmos e os importados.
Que lições precisamos fazer? Para onde apontar a bússola? A resposta é múltipla e carregada de várias considerações e campos de trabalho:
No cultivo
- temos de produzir alevinos a preços competitivos;
- ter boa linhagem genética;
- cobrar dos fabricantes de ração (que certamente já estão de olho neste enorme mercado), para produzir rações específicas e com as melhores conversões em ganho de peso (músculo / filé), não em gordura;
- entender cada vez mais as técnicas de cultivo e, compartilhar os conhecimentos, para que todos os piscicultores tenham resultados assemelhados e com isso, custos assemelhados. Dessa forma não precisarão brigar com o comprador devido ao seu peixe precisar ser pago 10-20 ou 30 centavos a mais por kg;
- cuidar dos aspectos sanitários e controle de eventuais enfermidades;
- engordar o panga até o peso “x” inteiro, para resultar em filés na faixa de peso entre “y e z”, assemelhados ao que se encontra no mercado e buscando concorrer com custo (o grande vilão que se apresenta à nossa frente).
- ter uma logística eficiente que possa coletar os peixes e transportar em rotas viáveis. É preciso por sua vez que os tanques de cultivo, os corredores entre eles e, os acessos por terra, sejam adequados e trafegáveis; e
- ter uma operação de despesca planejada, bem executada e ao menor custo;
Na indústria
- que os peixes cheguem vivos à indústria para serem devidamente sangrados. Sangrar não é somente cortar as brânquias. É dar o tempo e condições adequadas para o peixe drenar o sangue para contribuir na melhoria da cor final do filé (estabelecer métodos, cumprir processos);
- desenvolver o treinamento dos colaboradores para executar e obter o melhor rendimento no filetamento. A primeira nadadeira dorsal (atrás da cabeça) é forte e atrapalha no filetamento, na velocidade, na performance. Talvez removê-la antes e filetar depois? Cada frigorífico precisará fazer os testes e medir os resultados em produção kg / homem / hora x rendimento;
- lavar e buscar o clareamento dos filés. O Brasil discute agora, a questão da revisão dos aditivos em pescado. Não se pode tomar isso como um “bicho papão”. Na lista do Codex Alimentarius revisão 2017, entre os 245 aditivos para uso em alimentos, 122 deles são aprovados para uso em 14 categorias de pescado. Temos nós (indústrias e governo / órgãos reguladores) que discutir isso com serenidade, vendo o uso de alguns aditivos como melhoria nos processos tecnológicos. O que seria da história dos alimentos e sua evolução, sem o uso dos aditivos?; e
- criar padrões de identidade e qualidade para os filés brasileiros de panga, ainda que uma parte possa ser vendida na forma de peixe inteiro ou posta;
Mercado
- se a indústria e as autoridades reguladoras firmarem a cor amarelada / amarronzada para o filé de panga brasileiro, será preciso um grande esforço publicitário para informar o consumidor. Isso equivale em passar a ofertar no supermercado filés brancos de salmão: como o consumidor irá entender? Irá comprar? O que irá pensar? Terá o mesmo preço?
- além disso, é preciso fazer uma campanha para apresentar e informar os supermercados, Distribuidoras e os consumidores, sobre o “panga brasileiro”;
- apresentar os filés: não aparado, semi-aparado e premium;
A aquicultura no Brasil deve ser entendida como atividade estratégica na geração de alimentos, assim como é o frango, o suíno e o bovino. O importador, ou mesmo o consumidor brasileiro, não quer comprar imposto, quer comprar alimento. Ainda que todos os setores produtivos e nós consumidores tenhamos que contribuir com impostos para a geração de recursos ao governo, é preciso buscar um tratamento diferenciado.
Será que o agronegócio brasileiro (incluindo a aquicultura), são importantes para o Brasil e o mundo? Este segmento não pode parar nunca! É de extrema relevância.
Tributação
Desnecessário dizer o quanto o setor de aves, suínos e ovinos é organizado, mantendo uma representatividade forte e lutando por seus interesses, sejam tecnológicos, mercadológicos (nomenclaturas, formas de apresentação) e tributário.
Da mesma forma, os piscicultores que abraçaram o cultivo do panga precisam lutar pela redução do custo da ração, de outros insumos, da circulação das mercadorias, eletricidade, compras conjuntas em maior tonelagem para redução de custos etc.
A competitividade é a somatória de várias coisas, que juntas contribuem para a longevidade do negócio. Mesmo assim, ninguém está isento da necessária concorrência e dos ventos da conjuntura nacional e internacional.
Testes mostram as costelas laterais da barriga, a parte ventral do filé e os descartes em gordura e regiões duras do dorso:
Pesquisa
Mensagem às universidades e institutos de pesquisa:
Em paralelo ao esforço dos pioneiros piscicultores do panga no Brasil, ao processamento realizado pelas indústrias, as distribuidoras e, os pontos de venda, mostra-se extremamente necessário realizar pesquisas para o maior conhecimento desta espécie, sendo sugeridas:
- estudar as alterações físico-químicas, microbiológicas e de coloração em filés de panga congelados, glaciados, estocados em diferentes temperaturas: -18˚C; -15˚C e -12˚C (que serão as faixas de temperatura em que os filés estarão expostos durante o transporte e exposição para venda);
- estudar as alterações físico-químicas, microbiológicas e sensoriais em filé de panga refrigerados, mantidos em atmosfera modificada, a 0˚C e a +5˚C;
- comparar as técnicas de abate do panga por choque térmico x eletrochoque, na observação da melhor sangria e coloração dos filés;
- estudar técnicas para o branqueamento / clareamento dos filés de panga;
- avaliar os rendimentos em filé de panga, comparando o filé premium x filé semi-aparado x filé com barriga, em diferentes faixas de peso do peixe inteiro: 700-800g; 800-900g; 901-1000g; 1001-1100g e 1100-1200g;
- avaliar a recuperação e quantificação das aparas / refiles do filetamento do panga e potenciais usos;
- avaliar o teor de gordura em filé de panga, o teor de umidade, proteína e cinzas (no dorso e na região ventral);
- avaliação sensorial, físico-química e microbiológica em panga inteiro, conservado em gelo (sangrado e não sangrado);
- avaliação sensorial (nos estados cru e cozido) e outros indicadores de qualidade de frescor em filé de panga congelado;
- alteração na coloração do filé de panga, submetidos em diferentes sistemas de congelamento: túnel estático, armário de placas e em congelamento contínuo;
- concentração de milho nos ingredientes da formulação de ração para o panga e sua correlação com a cor do filé;
- substituição de ração com alto teor de milho para o panga, 10 dias antes do abate do peixe e, sua substituição por outra com baixo teor, para avaliar se há melhorias na coloração do filé;
Conclusão
Com todos estes dados reunidos sobre a mesa, poderemos ter uma visão macro da espécie, para que ela possa se transformar e se solidificar em um novo negócio, com qualidade, regularidade de oferta, competitiva e mostrar-se adequada ao mercado.
É preciso nos juntarmos e trocar experiências, para solucionar todos estes desafios. Juntos seremos mais fortes!
Sobre Uilians Emerson Ruivo
- Consultor de gerenciamento e inovação industrial. uruivo@gmail.com