Novo decreto do ICMS do pescado em SP é ferramenta contra 'guerra fiscal', mas ainda suscita dúvidas
Setor tem diferentes interpretações sobre a medida, que procura dar isonomia tributária ao pescado em relação a outras proteínas
09 de abril de 2018
O documento atualiza o Decreto nº 45.490, de 2000, que previa um diferimento do imposto (não tributação) das operações com pescados, exceto os crustáceos e os moluscos, para o momento em que ocorrer a saída para outro Estado, ao exterior, na saída do estabelecimento varejista e na saída dos produtos resultantes de sua industrialização.
O novo texto substitui esta dinâmica por um parágrafo único que aplica esta disposição apenas ao “desembaraço de mercadoria importada do exterior e à saída interna realizada por piscicultor ou pescador”. Na prática, o frigorífico vai pagar 7% de ICMS (a alíquota permanece a mesma), mas quando houver a apuração das notas fiscais de venda, ele terá um crédito outorgado de 7%.
“A Sefaz veio com uma solução inteligente para recuperar parte da competitividade do produtor e da indústria paulista perdida por consequência da guerra fiscal. É importante salientar que não houve aumento de alíquota, mas um rearranjo do formato”, opina Roberto Imai, diretor da divisão da cadeia produtiva de pescado do Deagro/Fiesp.
De acordo com especialistas consultados pela Câmara Setorial do Pescado na Secretaria de Agricultura do Estado, o decreto beneficia toda a cadeia produtiva, não só os frigoríficos. A interpretação é a de que, antes, as saídas internas de pescado, com exceção da saída do varejista (+7%), eram diferidas. Já na compra interna, o varejista não tinha crédito, mas na compra de outros Estados tinha crédito de até 7%. Isto dava melhores condições para o fornecedor de outro Estado em detrimento do fornecedor paulista.
Com o novo decreto, o diferimento se aplica somente na saída do piscicultor e as demais saídas passam a ser tributadas (7% de carga) incluindo saída do frigorífico, distribuidor e varejista. O frigorífico, apesar de passar a ser tributado em 7%, passou a ter crédito de 7%, zerando a carga tributária. "Apesar disto, o frigorífico transferirá para as fases seguintes o crédito de 7%, ficando em igualdade de condições com fornecedor de outro Estado", dizem os especialistas da Câmara.
Os técnicos consultados garantem que isto também se aplicará aos importadores, mas o presidente da Associação Nacional dos Importadores e Distribuidores de Pescado (Andip), Ivan Lasaro, não concorda. “Da noite para o dia, [a medida] vai criar duas classes de empresa: indústria que revende produto sem ICMS e comércio que revende com ICMS. É uma discriminação e um desvio com consequências desastrosas para o comércio e o setor de serviços que deveriam receber atenção, até por sua representação no PIB de São Paulo."
Ele diz que os CNAEs citados (1020-1/01 e 1020-1/02) deixam os importadores de fora. "A Andip prega sempre a isonomia e não discriminação. Vamos solicitar a prorrogação do prazo de vigência", sublinha Lasaro. A vigência é imediata a partir da publicação do decreto.
Guerra fiscal
Ramon Amaral, diretor do Grupo Ambar Amaral, que patrocinou um estudo sobre o ICMS no Estado de São Paulo, também celebrou a nova medida, embora a veja como insuficiente para resolver o problema da competitividade paulista. “Para quem tem frigorífico em São Paulo ficará melhor, mas continuaremos sofrendo a concorrência de fora do Estado. Quem estava fora do Estado destacava da nota fiscal 12% e recolhia apenas 1,2%. Quem compra de fora do Estado se credita de 12% e quem compra de dentro agora se credita de 7%. Então entramos no jogo perdendo de 12 a 7, não de 12 a 1”, calcula.
Martinho Colpani, presidente da Câmara Setorial do Pescado na Secretaria de Agricultura do Estado, reconhece que o pleito da cadeia era uma isenção do imposto, mas vê a medida aprovada como um avanço. "As legislações tributárias são caóticas e insuportáveis, mas precisávamos de isonomia para manter nossa competitividade. É uma perda muito insignificante ao governo, em torno de R$ 3 milhões de arrecadação. Isto é irrisório, porque o Estado arrecada ICMS na energa, no combustível, em produtos, maquinário etc."
Na visão de Emerson Esteves, presidente da PeixeSP, a conquista tributária se insere dentro de uma agenda de conquistas alcançadas recentemente pelos aquicultores. "Todo o cenário construído dentro do Estado, com licenciamento ambiental, lista de espécies exóticas, linha do Feap para financiamento e GTA on-line. Tudo isso seria em vão se não se resolvesse a questão tributária."
Evento vai dirimir dúvidas
Diante da polêmica gerada desde a assinatura do decreto no Palácio dos Bandeirantes, um dos últimos atos do agora ex-governador Geraldo Alckmin à frente do Estado, a divisão da cadeia produtiva de pescado do Deagro/Fiesp resolveu organizar um evento nesta quinta-feira para discutir o assunto.
A reunião será realizada nesta quinta-feira (12/04) às 9h30, no 15º Andar da sede da Fiesp, na Avenida Paulista, 1313, em São Paulo. O Deagro solicita a confirmação da presença pelo tel. (11) 2892.5959 ou pelo e-mail:secretaria@sipesp.com.br
O que diz a Sefaz
Em resposta a dúvidas enviadas pela Seafood Brasil, a Secretaria da Fazenda encaminhou na noite desta segunda-feira (09/04) o seguinte comentário:
A alteração no artigo 391 restringe o diferimento às saídas realizadas pelo pescador ou piscicultor. Quanto à suspensão no desembaraço de mercadoria importada do exterior, não há alteração na legislação. Assim, as importações desembaraçadas em São Paulo continuam a usufruir da suspensão do lançamento do imposto.
Com relação aos distribuidores, nas operações internas de saída passa a incidir a alíquota de 7% e não mais o diferimento. Por outro lado, nas aquisições internas de pescado da indústria, também passam a ter direito ao crédito de 7%.
É importante destacar que a alíquota interestadual de operações destinadas a São Paulo é de 12%, mas como o pescado é tributado a 7%, por ser um item da cesta básica, deve-se realizar o estorno proporcional de crédito. Assim, a diferença tributária não é igual à mencionada. Ressaltamos que o estorno já era exigido, visto que a tributação não se alterou, permanecendo a alíquota de 7%.
Segue exemplo:
- O produtor vende tilápia a R$ 10 para o frigorífico, com diferimento;
- O frigorífico vai comercializar o pescado a R$ 30, com incidência de 7%, mas direito a crédito outorgado de 7%, o que resulta em um valor a recolher nulo, mas transfere R$ 2,10 de crédito para elo comercial
- O supermercado vai comercializar o pescado a R$ 40, com incidência de 7%, mas com direito ao crédito de R$ 2,10 da aquisição. Assim, recolherá R$ 0,70, que equivale a 7% sobre o valor adicionado.
Caso o exemplo seja estendido para incluir o atacadista, este também passará a recolher 7% sobre o valor que adiciona, com a diferença que se torna mais vantajoso adquirir o pescado internamente.
Crédito da foto: Marilsa Patricio Fernandes (PeixeSP)
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